Dinheiro sem dono

No último fim-de-semana, decorreu, como previsto, o XV congresso do PS em que o secretário-geral, José Sócrates, justificou as opções políticas do primeiro-ministro e as linhas de orientação futura do seu Governo.

O PCP, por seu lado, organizou um enorme comício na Academia Almadense, no âmbito do Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários, para assinalar «85 anos de solidariedade do PCP com os povos em luta».

A ausência em Espanha privou-me de acompanhar os dois eventos, de grande relevância nacional, que preencheram o fim-de-semana político.

Em compensação, a leitura do «El País» ressarciu-me da perda, com excelentes artigos. Só no campo político, destaco:

- As análises sobre as eleições americanas;
- A cobertura da actividade política sul-americana;
- Os problemas do Médio Oriente;
- O perigo, para a Europa, da Polónia, dominada por dois exóticos irmãos gémeos, de extrema-direita – um, Presidente, outro, Primeiro-ministro;
- A investigação policial (que pode estender-se a Blair) sobre a concessão de títulos nobiliárquicos aos grandes mecenas do partido Trabalhista, escândalo que também atinge o Partido Conservador.

E, para não me alongar, a única notícia significativa, de ontem, sobre Portugal:

Título: 1.800 milhões de euros à procura de dono, em que o EL PAIS relata, com chamada de primeira página, a investigação policial que, por ordem do juiz Baltasar Garzon, atingiu recentemente as sedes dos Bancos Espírito Santo e BNP em Madrid.

Ninguém reclama o dinheiro bloqueado pelo juiz, em quatro bancos, dinheiro que está em nome de um modesto empregado da seguradora Cahispa. EL PAIS reitera a presunção de se tratar de dinheiro oriundo da evasão fiscal e branqueamento de capitais.

Toda a página 24 é ocupada com este caso, e a ilustração mostra, com grande destaque, dois guardas-civis, com os rostos ocultos, e as palavras «GRUPO BANCO ESPÍRITO SANTO», sob o respectivo logótipo.

Com tanto dinheiro, quiçá a ponta do iceberg, vamos ter mais notícias a curto prazo. Em Espanha os crimes de colarinho branco não costumam prescrever, nem ficam impunes.

Curiosamente, no dia em que o EL PAIS publica a referida reportagem (ontem), aparece nos diários portugueses, um anúncio, pago, dos «Trabalhadores Social-Democratas do BES», que exige, em defesa do seu Banco, «uma actuação firme do Ministério dos Negócios Estrangeiros Português junto das autoridades do País vizinho».

Comentários

Anónimo disse…
Penso que a internacionalização dos bancos portugueses levou-os a cair numa ratoeira.
Estão (estavam) habituados a estar acima (ao lado) da lei, beneficiando de incríveis mordomias, nomeadamente, fiscais.
O poder financeiro convivia (convive) alegremente com os "off shores", onde "tudo" parece ser permitido.
Por isso, esses grupos financeiros, aquando da discussão do orçamento de 2007, mostraram-se insatisfeitos, incomodados, inconformados... agastados!
Tentaram tapar o Sol com uma peneira...

CE:
Estou plenamente de acordo que deveremos estar perante a ponta emersa de um enorme iceberg (submerso).
Não fará falta uma boa auditoria a estas entidades?
Os dirigentes do Banco de Portugal não terão tempo para isso?
- Porque ganhar, ganham o suficiente para se darem ao incómodo de esclarecerem o País sobre as volumosas suspeitas que, se divisam, recair no âmago área financeira nacional.
O País precisa de um sistema (serviço) bancário idóneo e credível, se possível, acima de toda a suspeita...
Anónimo disse…
Ainda mais que o euromilhões.
Anónimo disse…
"No último fim-de-semana, decorreu, como previsto, o XV congresso do PS em que o secretário-geral, José Sócrates, justificou as opções políticas do primeiro-ministro e as linhas de orientação futura do seu Governo."

CE:
O facto de estar fora poupou-o a uma autentica rábula político-partidária.

Em Santarém, viveu-se o CONGRESSO DO PS versus o CONGRESSO DO GOVERNO …

Os dois grandes partidos de poder em Portugal (PS e PSD), quando estão no exercício de funções governamentais, têm o “vício” de, nos Congressos, anular a capacidade interventora das respectivas associações políticas e deixar-se “comandar” pelo Governo.
O Governo ignora o Partido. De vez em quanto reúne-se com o grupo parlamentar para “acertar” ou “impor” apoios. O Governo não vai buscar nada às estruturas partidárias. Nem doutrina, ideias, projectos, estratégias. Nada do que possa e deva ser previamente discutido pelas estruturas concelhias e distritais.
O Partido é pura e simplesmente confrontado com a “sagrada” missão de apoiar o Governo. Está ali para “bater palmas”, levantar-se, sentar-se e gritar “slogans”. E, assim, o Poder aparece, mostra-se, exibe-se, como uma finalidade política, em si mesma. Quem ousar pensar, quem transmitir o pulsar da sua secção, da sua organização de base, da sua concelhia, quem se “atrever” a questionar novos caminhos, a propor outras soluções, é certo e sabido que será tido como um empecilho. A argumentação é bafienta e sempre a mesma: “Camarada, está a colocar em risco a unidade do Partido”. Cá fora, enfatizamos a diversidade do Partido. Lá dentro, postula-se a unidade do Partido gravitando em torno do Governo. Aí, o Partido levanta-se de novo e enceta outra modalidade de apoio ao Governo – assobia, vaia, apupa, … os próprios militantes, que foram designados (pelo Partido) delegados ao Congresso.
O Governo que, em última análise, depende da confiança política que o Partido lhe empresta, vira a situação ao contrário. Ao Partido é-lhe confiada, reservada, a honra ser a guarda pretoriana do Governo. O Secretário-geral é o Primeiro-ministro. A partir desse cargo “domestica” o Partido e rege o aparelho. Defere, indefere, prorroga, nomeia, demite, distribui benesses, põe na “prateleira”, atira para a “ribalta”, etc. E, depois, o Partido embevecido “rende-se” ao 1º. Ministro. Quando aparece no Congresso como Secretário-geral continua a ser visto, sentido e reverenciado, como 1º. Ministro. É anedótico, para não ser mais cáustico, que a moção apresentada ao Congresso, por Sócrates, tenha tido um solitário voto contra e… centenas de delegados a tomar café. Já tinha sido intrigante a percentagem de votos obtida na eleição para Secretário-geral. Já era significativo haver um único candidato. O “monolitismo”, ou falsos “unanimismos”, historicamente nunca deram bons resultados políticos. Não vai ser agora que vão começar a dar. Cabe aqui, com ironia, a célebre frase de Winston Churchil: “nunca tantos deveram tanto a tão poucos”…, isto é, ao restrito e muitas vezes insondável “círculo do poder”. Próximo do Poder, assim é que é.

O Governo não se lembra que – enquanto tal - nunca vai a votos. Quem vai é o Partido, com o esforço, a participação e o entusiasmo, das suas estruturas concelhias, distritais e de muitos militantes anónimos. Mas o Governo não indo a votos, apressa-se a ir aos Congressos, colher louros e, também, sonegar o espaço (“tempo de antena”) aos militantes para discutirem, manifestar-se, apresentar propostas, etc.
Foi isso que sucedeu neste fim-de-semana em Santarém. E continuará a suceder…neste País, neste tipo de democracia que, no mínimo, vaie-se tornando pouco participativa. É por isso que os Congressos têm, cada vez mais, menor impacto na sociedade e são enfadonhos para a própria corporação política. Para estes, estes Congressos tornaram-se num ritual. Nada de novo nasce aí. É tudo tão previsível …
Os Congressos na situação que, actualmente, vive o PS não são mais do que o exorcismo do reino onde vegetam, e se digladiam nos bastidores, todos os narcisismos governamentais.
Deveriam mudar de nome: Congresso do Governo ou Governo em Congresso.
À escolha do cliente.
Porque, na verdade, os verdadeiros congressos só “acontecem” na oposição e, mesmo aí, na medida em que a “máquina” partidária o deixar ou tolerar. É a tradução da grande mutação dos Partidos: de escolas políticas em carros de assalto ao Poder.
Daqui a 2 anos há mais…

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