O estranho caso do Envelope 9, no Parlamento


Fica-se perplexo com o Ministério Público, capaz de manter em seu poder informação que não devia ter, informação que dizia respeito ao Presidente da República, onde não chegou a suspeição e não devia ter chegado a devassa.

O caso é suficientemente grave para que fiquem impunes os que violaram de forma grosseira os deveres que a sua função impunha.

Não se acredita que o juiz Rui Teixeira pudesse ter delegado funções no MP, que tenha proferido um despacho mandando que «deveria ser fornecida aos procuradores a informação que fosse pedida». Prescindiu de zelar pelos direitos dos arguidos.

Que durante o fascismo fosse conferido à PIDE o direito de agredir os presos políticos, em pleno tribunal, pelo juiz Florindo – um crápula ao serviço da ditadura –, é um facto que se recorda de um regime criminoso e sinistro.

Que, em democracia, o impoluto juiz Rui Teixeira tenha abdicado dos deveres que lhe cabiam, delegando-os numa das partes, é um acto que o respeito à função me impede de qualificar, tanto mais que era deste meritíssimo que a comunicação social queria fazer um herói.

«Não há memória de um juiz delegar poderes num procurador», disse Fernando Negrão, do PSD. Mas, neste caso, parece ter acontecido. O Conselho Superior da Magistratura deve averiguar a razão.

Adenda: Este post foi alterado. Na última frase onde estava Parlamento passa a ler-se Conselho Superior da Magistratura.

Comentários

Anónimo disse…
CE:

"Não há memória de um juiz delegar poderes num procurador», disse Fernando Negrão, do PSD.
"Mas, neste caso, parece ter acontecido. O Parlamento deve averiguar a razão"

A delegação de poderes autorizada pelo Juiz Rui Teixeira é um caso grave, não tenhamos dúvidas. É, para os portugueses, cada vez mais notória que, a condução do processo apelidado de "Casa Pia", está marcada por "casos" que, cada dia que passa, se revelam incompreensíveis. Um desses casos é o famoso "envelope 9", etc.

Todavia, não concordo que o Parlamento averigue, ou meta a colher, sobre esta matéria.
No Estado de Direito que vivemos, estes casos são da exclusiva competência do Conselho Superior da Magistratura. É esse o meu entedimento, face ao princípio da separação de poderes.
Hoje mesmo votou-se no Parlamento o tal "mandatário com poderes para..." que, na prática, se substitui à PGR. Será dificil explicar isso aos portugueses, por duas razões essenciais:
1º.) porque razão os titulares de cargos públicos têm perante a justiça um estatuto previlegiado?
2º.) como se justifica, no quadro constitucional, esta intolerável "parlamentarização" do poder judicial?

As questões da Justiça são muito sensíveis. Não se pode , em relação a este pilar do Estado democrático, navegar à vista...

Qualquer português tem autoridade para questionar se este assunto fez (ou não?) parte do controverso "pacto para a Justiça PS/PSD".
Anónimo disse…
e-pá:

Reconheço a pertinência da sua argumentação mas não posso esquecer que Adelino Salvado nada sofreu por ter violado o segredo de justiça; que os juízes que davam aulas na Moderna (remunerados) nada sofreram; que o juiz Rui Teixeira esteve em vias de se tornar um herói; que o corporativismo judicial não permite a responsabilização dos juizes, etc., etc..

Eu não me sinto seguro, mas, para ser correcto e não correr riscos «eu acredito na justiça».

Quando o presidente do STJ é um sindicalista que tem um programa reivindicativo em relação ao Governo, pergunto se deveremos entregar o poder aos juizes.

Quanto ao respeito pela separação de poderes não tenho dúvida. Quanto à impunidade, tenho.
Anónimo disse…
e-pá:

Aqui fica a rectificação ao post:

O Conselho Superior da Magistratura deve averiguar a razão.

Adenda: Este post foi alterado. Na última frase onde estava Parlamento passa a ler-se Conselho Superior da Magistratura.
Anónimo disse…
Um a dúvida me assalta ainda hoje; porquê, com verdade alguém me diga o porquê do Merítissimo Rui Teixeira ter sido afastado do caso Casa Pia, e o protelamento deste mesmo Processo ?.
Anónimo disse…
Manuel Norberto Batista:

O juiz Rui Teixeira não foi afastado do processo Casa Pia.
O seu "afastamento" aconteceu em consequência do movimento normal dos juízes pelas comarcas.
Segundo me recordo teria sido colocado em Mafra(?).
Mesmo assim, segundo também me recordo, teria avocado este processo, a seu pedido, algum tempo (meses?) para além da cessação de funções em Lisboa.

Há, contudo, alguma razão na sua estranheza e nas suas dúvidas.
De facto, na atribuição de funções da magistratura, neste processo, desde o início que existiram factos menos claros, nunca cabalmente esclarecidos perante a opinião pública.
E, depois, seguiu-se aquele espectáculo dos sucessovos incidentes de recusa, etc....

Quanto ao protelamento deste processo - estamos em Portugal, convém não esquecer...

Um dia se fará a história...
Anónimo disse…
CE:

"que o corporativismo judicial não permite a responsabilização dos juizes, etc., etc.."

A legislação em vigor permite acabar com o tradicional corporativismo. Se, ainda, o não foi está nas mãos da AR e do PR fazê-lo.
O CSM integrado por magistrados desde 1976 (Dec. Lei n.º 926/76), foi sofendo modificações até a actual composição, decorrente da revisão constitucional de 1997, onde têm assento:
- o presidente do STJ
- dois vogais designados pelo PR;
- sete vogais eleitos pela AR;
- sete juizes eleitos pelos seus pares.
Acresce que os vogais designados pela AR e pelo PR, não têm de pertencer à magistratura. Vou mais além, em minha opinião, deveriam contemplar todos os intervenientes na administração da justiça (desde advogados, solicitadores, funcionários judiciais, etc.). Não teria medo deste corporativismo (que o é!).
Portanto, ao interrogarmo-nos (justamente) sobre a impunidade de factos que surgem no seio da magistratura e, mais genericamente, da judicatura,
teremos de dividir responsabilidades por muitos campos.
O acordo parlamentar PS/PSD (o tal pacto da Justiça), que mereceu a benção do PR, poderia ter contemplado isso. Estavam presentes os intervenientes necessários (embora não todos).
Anónimo disse…
O juíz Rui Teixeira, até ser transferido para Torres Vedras,deixando o processo, foi pura e simplesmente esmagado, pela comunicação social, ao serviço, dalguns arguídos...mais ou menos o mesmo aconteceu a Souto Moura.
O "Envelope 9", faz parte desse processo, para desacreditar a justiça...
Anónimo disse…
Anónimo Qui Dez 14, 03:17:57 PM:

Um juiz que delega as funções, como fez Rui Teixeira, num procurador do MP não desacreditará mais a justiça do que a comunicação social?

Um juiz que não protege a intimidade e os eventuais segredos de Estado do PR estará à altura das funções que o Estado lhe confiou?
Anónimo disse…
Nãso percebo pq é que em Portugal o poder legislativo e executivo passam tanto tempo preocupados com o poder judicial. Estes deviam ser independentes, não?

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