Estatuto dos Açores e regionalização do País. Opinião de uma leitora


Por Lídia


Resposta a este post:


Entendo-lhe a estranheza pelo aparente fenómeno que representou a unanimidade de todas as bancadas da AR na aprovação da Revisão do Estatuto da Região Autónoma dos Açores. Entendo-lhe a estranheza e a justeza da argumentação quanto à inércia do parlamento no que concerne à criação das regiões no território do continente.

Mas, pelas minhas convicções, primeiro, e depois pela coragem desassombrada, pela argúcia e honestidade que lhe reconheço e admiro sempre na análise e no propósito, permito-me discordar, creio que pela primeira vez, do que me parece ser a sua posição quanto às autonomias regionais.

Para a unanimidade da aprovação no parlamento, mais do que da bondade dos partidos para com a autonomia, que desta vez sai de facto reforçada, penso que também se explicará pelo facto de que o apoio de agora, poderá, a seu tempo, ser invocado, como argumento ao serviço de "apetites eleitorais".

Quanto à supletividade do Direito estadual face ao Direito regional, se puder dedicar um pouco mais de atenção ao assunto, verá que aquela não resulta de «excessos das regiões autónomas» tendentes a comprometerem o país, nem da cedência a chantagem de deputados regionais. Pelo contrário, trata-se de um princípio tão antigo como a instituição das regiões autónomas. Princípio consagrado na Constituição da República, designadamente no nº 4 do Artº 112º e nas alíneas a) a c) do nº1 do Artº 227º, que definia os poderes legislativos, enquanto no Artº 228º, se estabeleciam quais as matérias de interesse específico das regiões autónomas.

Ainda de referir que a designação de "autonomia progressiva" não é de agora. Foi ensaiada ainda por Mota Amaral, numa época bem conturbada, que tanto o governo regional como a bancada que o sustentava receberam o Presidente da República no Parlamento Regional em ambiente de rara crispação e exibindo gravatas pretas e óculos escuros, em retaliação pelo veto presidencial à proposta de revisão do Estatuto.
Volvidos mais de vinte anos, acredito que este sucesso nem ele o sonhava tão alargado, mas faço-lhe a justiça de acreditar que é genuíno o entusiasmo que declarou ao aprovar esta revisão.

Mais competência, mais responsabilidade e, portanto, um maior compromisso com a Região e com o País, no que considero ser uma demonstração de confiança e maturidade das instituições e da democracia.
A soberania é una e indivisível, ou não o seria e, quanto ao Estado, ou é Estado e tem poder agregador ou... não há Estado. Enquanto isso, a Autonomia não vinga sem o Estatuto que lhe dá forma e este, sem a Constituição, não procede.

Sobre Cavaco Silva, o ter dúvidas, se as teve, é (agora…) um dever do seu cargo, pelo compromisso que assumiu de cumprir e fazer cumprir a Constituição contribuindo e velando pela unidade nacional no respeito das regras democráticas. Tal não se percebeu (porque não aconteceu) na Madeira, onde se prestou aos ardis e palhaçadas bem ao jeito truculento de Alberto João.
Mas a Madeira e os Açores são duas regiões com realidades algo diferentes. Autónomas - também no modo e entre si.
E, se confundir a postura e o relacionamento de ambas com o poder regional e central é estabelecer um grande equívoco, no meu entender e pesem embora alguns impulsos de uma certa e tão forçada quanto desnecessária afirmação (aqui concordo com o Aires e acho que a seguir também o Aires vai concordar comigo…), ainda assim e pelo menos até agora, comparar César com Jardim seria cometer uma enorme injustiça contra o primeiro.

Quanto a “povo dos Açores”, é uma expressão em que não reconheço qualquer intento de cisão independentista nem nada que se lhe assemelhe (e garanto que, a haver, ainda eu lhe saberia reconhecer o cheiro). Açores são Portugal acrescentando-se quando abre os braços pelo natural encanto das suas ilhas e se estende na largueza da sua Zona Económica Exclusiva. Em “povo dos Açores”, designam-se, de facto, algumas características específicas que têm muito a ver com cruzamento de rotas e de gentes, uma vontade emigrante, histórias de solidão e resistência, de saudades e diáspora para além de um mar imenso que segundo Nemésio nos corre por dentro das veias de lava.

Uma expressão que não incomoda quem, como eu, sente que ser portuguesa é, na esfera emocional a inevitabilidade de um orgulho maior e, no plano racional, a causa e consequência de ser açoriana.

Uma nota final, Carlos Esperança, para lhe agradecer por ter trazido o assunto aqui, o que constituiu um incentivo para ler mais sobre o assunto.
Obrigada.

Comentários

Lídia:

Eu é que agradeço a qualidade do texto e a força das convicções.
Anónimo disse…
è assim memo, Lidia...

força emoção...
ia a dizer "virilidade intelectual"

mas pode parecer um argumento machista

e eu não o sou, penso... rindo

vamos por partes...

não parece que haja desacordo entre o que ja aqui foi escrito...

é menos, creio,
uma questão de substância

mais, do modo e do tempo
como se esgrimem ideias projectos

considerando todo o nosso contexto nacional...

e isso, Lidia
não é de somenos importância...

até politica...

porque é de politica e de um país que falamos

um país que queremos se reveja
nas suas diversidades, complementaridades

Se não vivessemos em democracia

admitiria certos metodos para obter alguns resultados

mas Cesar e os Açores
felizmente
habituaram-nos bem

no contexto nacional que sentimos como nosso...

donde, choca-nos certas afirmações
que ferem a concórdia conseguida
e que não foi fácil conseguir

sou açoriano, como sou angolano e português

enfim um pouco apátrida,
se calhar...

assisti a muita coisa em muito lado

e nestas "coisas", "processos"

sabe-se como elas começam, começaram...

raramente se descortina
como terminam, vão terminar...

trata-se de processos sociais politicos complexos

com muitos custos encobertos, reprimidos

de varia ordem e enquadramento

logo...

retorno à questão do metodo e do tempo...

e por ela me fico

a luta continua

amigo abraço
lídia disse…
Havia um casulo com uma crisálida dentro. E a sua hora chegando.
Foi quando o Carlos Esperança passou, trouxe consigo e partilhou.
E somos três a saudar a bela criatura que chega em momento de inquietações, de escaramuças, os ares carregados...
Vai precisar de cuidados, muitos, a Menina Autonomia! Enquanto não se habitua ao vai-vem das ondas, aos refluxos da maré. Aos caprichos do anticiclone.
Empolguei-me ali, no comentário e beneficiei de um salto que dei atrás, em lembranças que por serem de luta, fizeram apetecer mais e apreciar melhor o acontecimento.
Depois, a gentileza com que foi acolhido... deixou-me sensibilizada, Carlos!
Também pela inclusão das Sete-Cidades.

Aires...
Entendi e concordo que não basta começar bem, que os "ruídos" os entraves, a tentação de exceder e ultrapassar são só alguns dos escolhos.
Mas hoje...
Hoje dediquei o dia à saudação do momento, atrasado em dias mas presente no entusiasmo com que fui percebendo e reencontrando algumas passagens marcantes na resistência que, de uma forma ou de outra, nos torna companheiros uns dos outros e de tantos mais...
Claro que vai haver muitas dúvidas, que o avanço significa a responsabilidade por um espaço que até agora era terra-de-ninguém e para onde de certo modo - não devia ser assim - mas para onde as incompetências e algumas irresponsabilidades.
O caminho tem mais espinhos, mas, mas com o desafio por estímulo, quem sabe se não fazemos florir rosas... Cravos também!
E autonomia...

A luta continua
Um abraço
Bem Hajas
Amigo Esperança,

Mais uma vez, dada a temática abordada, tomei a liberdade de publicar este seu "post", com o respectivo link, no
.
Regionalização
.

Cumprimentos
Caro Almeida Felizes:

Fez uma boa escolha do «meu» post.

Com um texto soberbo da Lídia.

Bem sabe que sou eu que devo agradecer a transcrição de textos do PE.

Abraço.

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