Momento de Poesia


Dissertação sobre um poema pós-moderno…

Ela:
Espero que gostes…

Ele:
Gosto, gosto muito.

Ela:
Eu gosto muito
que tu gostes muito.

Ele:
Eu também gosto muito
que tu gostes muito
que eu goste... e assim até ao infinito...

Ela:
Contra o infinito nada se pode!

Ele:
Por isso é que eu disse
que eu também gosto muito
que tu gostes muito
que eu goste, até ao infinito.

Ela:
Espero que gostes de mim.

Ele:
Claro, gosto muito de ti.

Ela:
Eu gosto muito
que tu gostes muito de mim.

Ele:
Eu também gosto muito
que tu gostes muito
que eu goste muito de ti.

Ela:
Até ao infinito?

Ele:
Tu disseste que contra o infinito nada se pode!...

Ela:
Isso era em relação ao poema.

Ele:
Qual poema?

Ela:
O teu poema que eu trago aqui, embrulhado
num pastel de nata.

Ele:
Mas eu não gosto de natas!

Ela:
Mas das minhas natas vais gostar.

Ele:
Mas assim, tu estragaste o poema, com o raio
das natas!

Ela:
Não estraguei nada! O poema está protegido
por uma metáfora.

Ele:
Qual metáfora?

Ela:
A metáfora das galáxias. Não te lembras?

Ele:
Eu já nem me lembro qual é o poema, que tem
essa metáfora!

Ela:
É o poema “A ambiguidade de Setembro”. Tu falas lá
em galáxias!

Ele:
Isso era para te impressionar. Escrevi isso quando
tu disseste que a poesia não se comenta. Apenas se
come. Aliás, esse poema é de antologia. Termino-o
a dizer que o mês de Setembro tem 30 dias.
Não é formidável?

Ela:
Não calculas como eu me excitei com essa metáfora
dos 30 dias! Masturbei-me nessa noite.
Bem, mas quando eu disse que a poesia não se comenta,
que apenas se come, foi quando tu escreveste o poema
Estátuas afogadas no calor.
Eu fiquei a fazer de ventoinha, enquanto tu dizias
que eu era um anjo com personalidade etérea e utópica
de ventoinha vertebrada.

Ele:
Já não me lembro nada desse poema…

Ela:
Tenta recordar-te!
Eu dissera-te que vinha aqui cada vez mais para
me nutrir e agradeci-te por partilhares a mesa com
quem tem fome
de palavras cruas, o que é o meu caso.

Ele:
Agora és tu que estás a fazer uma metáfora
com essa da fome das palavras.

Ela:
Lembra-te que também escrevo poemas.

Ele:
Ah! É verdade. Já me tinhas dito!...
Mas tens mesmo fome de palavras?

Ela:
Tenho.

Ele:
Porra! Mas eu agora não tenho palavras.
Ontem, gastei-as todas a resolver um problema
de palavras cruzadas, para me inspirar
a escrever um poema pós-moderno!

Ela:
Mas podemos fazer palavras com as natas.
Eu tenho muito jeito para isso.

Ele:
E achas que o poema sai bem?

Ela:
Se gostares muito de mim até ao infinito, vais ver
que sai bem!...

Ele:
Bem. Se o poema sair bom, serei eu o seu autor.
Será uma excelente ideia, muito original para
apresentar no próximo festival de Poesia.
O que é importante é descobrir novas maneiras
de dizer, mesmo que não se diga nada. Mas se o
poema for uma merda, não quero ver-te mais.
Contenta-te em namorar aquele poeta, que faz
versos às escadinhas.
Ele ainda está convencido que tu foste comigo
para a farra, para Madrid? Coitado! O que ele
penou por aquelas ruas à tua procura!

Ela:
Não. Ele já sabe a verdade.

Ele:
Foste tu que lhe disseste, não!

Ela:
Fui. Eu prometi que lhe contava a verdade
se ele comesse as minhas natas.

Ele:
E ele comeu?

Ela:
Já não pode! Agora, as natas fazem-lhe mal.
Mas ele já tinha o teu poema na mão e ficou furioso.
Ameaçou que ia começar a chamar-te o tartufo da poesia.

Ele:
Já não me lembro do título do poema.

Ela:
Fomos a apanhados a desaparecer numa tarde de Verão.
Era mais ou menos esse, o título.

Ele:
Bem, a conversa já está a desandar para a banalidade
das pessoas comuns. Lembra-te que eu pertenço
à galáxia mais importante da poesia, por isso devo falar
sempre por metáforas, para treinar.
Ontem, lembrei-me de uma frase que começa assim:
“o osso corcunda…”. Mas ainda não consegui encontrar
a palavra seguinte para distorcer o significado da frase.
Pensei, agora mesmo, que ficava bem assim:
“osso corcunda crivado de asteróides a arder”.
Achas bem?

Ela:
Não sei qual o poema a que te referes!

Ele:
É um poema sobre a morte.
A morte vai organizar uma revolta num
cemitério. Esta será a metáfora principal.
A palavra “osso corcunda” tem de entrar
no poema, nem que seja a martelo.

Ela:
Deixa lá isso, agora. Vamos fazer palavras com natas,
que estou com tesão. Uma vez disse-te que era bom
encher o vazio com as palavras de outrem!

… Passados uns instantes,
depois te terem feito as palavras com natas:

Ela:
Ah! É tão bom visitar este santuário da poesia!

Ele:
É o templo da galáxia dos poetas de vanguarda,
dos poetas pós-modernistas.

Ela:
Da última vez, quando estive aqui com um poeta
meu amigo, disse-lhe:
Sei bem como vim dar aqui, não sei é como vou sair.

Ele:
Era aquele poeta/arquitecto, que tem uma barriga
enorme, e que, a bambolear-se a andar, parece ir
agarrado a uma pipa de vinho?

Ela:
Não! Esse só já consegue fazer poemas
se eu lhe meter as natas pelo cu acima.

Ele:
Então agora já percebo a merda daquele poema
que ele fez aos porta-lápis, que tem em cima do estirador!

Ela:
Deixa-te de brincadeiras de mau gosto,
que não estão nada a condizer com a galáxia
em que te encontras.
Diz-me lá se as minhas natas não eram boas
e não deram um bom poema!...

Ele:
Sem dúvida alguma! As tuas natas eram boas.
Prometo-te mais um poema sobre as tuas natas.

Ela:
A sério, gostaste das minhas natas?

Ele:
Gostei, gostei muito.

Ela:
Eu gosto muito
que tu tenhas gostado das minhas natas.

Ele:
Eu gosto muito,
que tu tenhas gostado
por eu gostar muito das tuas natas.

Ela:
Até ao infinito?

Ele:
Sim, até ao infinito.

Alexandre de Castro

Setembro de 2010

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