A política, a fome e o desespero


Já não é uma questão partidária, é um assunto angustiante que alastra como mancha de óleo na sociedade que julgávamos civilizada e onde subsistia um módico de dignidade.

Chegam-me ecos de pais desesperados que perderam o emprego e o subsídio mínimo de subsistência, com os filhos para sustentarem, e que vão aos lares buscar os progenitores para, com as parcas reformas, assegurarem a sobrevivência coletiva.

Há velhos que já não desejam regressar, maltratados pela idade e pelo abandono, sem esperança de uma convivência afetuosa que mitigue os dias tristes que lhes restam. E, se o entendimento ainda lhes assiste, juntam ao drama das feridas que os afligem a ânsia de não deixarem os netos e os filhos à míngua!

Que raio de sociedade é esta, donde a solidariedade emigrou, delidos os laços de família a que se apela, à falta de alternativa, em horas de desespero? Que gente somos nós, que vemos o povo com fraturas sociais expostas e a sangrar por dentro, à espera da caridade que alivia os pecados de ricos ociosos e pios, que a aproveitam para promover carreiras? Que exemplo damos aos que hoje precisam de nós para que alguém nos retribua quando formos nós os necessitados?

A raiva, as lágrimas e a violência, escondem-se entre as paredes de velhas casas que vão sucessivamente abdicando do gás, da eletricidade e da água. É nesses espaços de ódios e ressentimentos que fermenta a violência que se adivinha. A fatalidade que começa pelas necessidades básicas transforma-se em tragédia.

Há uma bomba social escondida à espera do rastilho para detonar. Nessa altura ninguém poderá sentir-se seguro. O egoísmo, a incúria e a insensibilidade só geram desgraças.

Começa a ser tarde para arrepiar caminho.

Comentários

Identifico-me totalmente com o teor do post e os sentimentos nele manifestados. O atual governo tem sido acusado - e com toda a razão - de desprezar a economia. Mas muito pior que isso é o seu desprezo pelas pessoas. O tão falado "regresso aos mercados" deixa atrás de si um rasto de sangue. Por muito que regresse aos mercados e eventualmente consiga reduzir o défice, a imagem de marca da corja que se apoderou do governo do País é justamente esse desprezo - fascista, quase nazi - pelas pessoas, e sobretudo pelas crianças,pelos doentes e pelos velhos.
e-pá! disse…
Um problema actual que continua a ser tratado com ligeireza pelos actuais governantes.
Enquanto o tecido social não explode, na mais do que provável violência, campeam no terreno históricos sucedâneos: as misercordiosas caridadezinhas.
Para além das desigualdades na distribuição da riqueza, que atiram para a exclusão e pobreza largos estratos populacionais, dois vectores essenciais à estabilidade social - a taxa de natalidade e a taxa de envelhecimento da população - entraram em rota divergente.
A constatação que esta confluência de factores (negativos) está fora de controlo, e tem 'crescido' à sombra de néscios dirigentes e ignobéis homens públicos, não augura nada de bom.

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