1.º de Maio – A manifestação esquecida e a clandestina


Quem hoje viesse de um outro planeta e olhasse para uma montra de jornais não veria que ontem foi o 1.º de Maio, dia do trabalhador, com grandes manifestações de repúdio contra a política do Governo.

Vários jornais destinaram a primeira página a notícias relativas ao desporto, a um homicida do Fundão, ao aumento da dívida pública ou a um ex-mafioso que trocou os crimes pela pedagogia legal sobre negócios ilícitos.

Com exceção do Avante, nenhum jornal mostrou na capa os milhares de trabalhadores que protestaram ordeiramente na rua. Apenas um lhe dedicou metade da capa onde seis ou sete trabalhadores apareciam com cartazes, sem que a multidão merecesse destaque.

Apagou-se a manifestação como se não tivesse existido. Remeteram-se para as páginas interiores os discursos dos dirigentes da CGTP e UGT. Com vergonha dos trabalhadores a imprensa preferiu falar da redação que Passos Coelho leu na véspera perante uma sala de avençados, designados por trabalhadores sociais democratas, que lhe prodigalizaram algumas palmas envergonhadas quando ameaçou com a bancarrota e a saída do euro.

Mas, pior, foi a manifestação clandestina de gente isolada, sem emprego nem amanhã, a esconder a adversidade em casa dos pais, em aldeias distantes ou sítios recônditos, com pejo de ocupar as ruas e gritar a indignação. Essa manifestação clandestina, sufocada pelo medo e desespero, já não é notícia. Trata-se de não gente que não vive, vegeta; que não trabalha, foge; que não se revolta, esconde-se.

É a imensa massa de desgraçados que um dia viu fechar a fábrica ou o escritório, depois findar o subsídio de desemprego e, finalmente, a comunicação social esquecer-se dela, que qualquer dia irrompe com a fúria irracional de quem não sabendo já quem é, acaba por não querer saber quem são os outros.

Comentários

Subscrevo inteiramente. Também fiquei chocado, logo de manhã, ao ver o silêncio cúmplice de quase toda a imprensa!
Mas o pior é, de facto, a tal manifestação clandestina e quotidiana.
Eu não estava lá, não vi, há 150anos.
Mas acho que estamos todos a retroceder a Chicago.
E falta ainda tanto caminho para lá chegar...
e-pá! disse…
Em Portugal assiste-se a uma moderna 'colonização' do 1º. de Maio substituindo-o por alienações que visam domesticar e esvaziar o movimento sindical. Este é um princípio da cartilha neoliberal. Basta relembrar o 'histórico' da falecida senhora Thatcher.
O tiro de partida, cá no nosso País, aconteceu no ano passado com a rábula do 'Pingo Doce', este ano foram as 'jornadas TSD da linha' (Estoril) e ainda é cedo para saber como será no próximo ano...

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