O processo de ‘desconstrução’ democrática em curso …


Passos Coelho, na alocução ao País de 6ª. feira à hora do jantar resolveu, perante uma ansiosa plateia de telespectadores, dar um lamentável e sangrento espectáculo, ao esquartejar os funcionários públicos e reformados que foram tratados como ‘parasitas’ ou ‘gigolôs sociais’ (conforme o posicionamento perante o almejado ‘equilíbrio orçamental’).

Para gáudio dos mercados, que segundo a seráfica concepção ‘passista’ serão um remoto destino onde se acoitaram os nossos insaciáveis credores, o orador de 6ª feira ao fim da tarde desfiou um rosário de medidas concebidas de acordo com a pantagruélica receita sugerida num relatório preliminar que em devido tempo encomendou ao FMI. Um relatório link que pelos erros de construção e análise que incluiu e albergou (uma espécie de 'Rogoff nacional' link) foi prudentemente desvalorizado (não deveria ser considerado uma bíblia, Passos dixit link) e colocado em stand by a aguardar um outro estudo da OCDE. O primeiro-ministro, na primeira oportunidade (o acórdão do TC foi o pretexto magno) revisitou-o e, impassível perante a realidade, debitou-o aos portugueses.

A receita que é apresentada como um inevitável ‘ajustamento’ tem a seguinte expressão: aumento do horário de trabalho na função pública em 14,5% (35 para 40 h/semanais); cortes nos subsídios à volta dos 12% (ainda não discriminados); um enorme (Gaspar dixit link) aumento da carga fiscal nominal (IRS) e concentração dos índices de progressividade tributária (por redução dos níveis diferenciais dos rendimentos colectáveis); aumento dos descontos (taxação) para a ADSE de 66% e alargamento da base tributária para a CGA (que incidirá sobre todos os rendimentos e não exclusivamente sobre os que entram no cálculo das pensões).
Depois, um seráfico programa de despedimentos cujo indicador inicial são 30.000 funcionários mas que como já percebemos pelas contraditórias declarações de vários sectores governamentais terá uma ‘geometria variável’ e que surge camuflado com a figura jurídica de ‘mobilidade especial’ (uma espécie de subsídio de desemprego público com a duração de 18 meses), foi apresentado como ‘voluntário’ e debaixo de um torpe conceito de ‘requalificação’. Finalmente, o aumento do tempo de serviço para auferir da pensão de reforma ‘por inteiro’ (como se isso fosse plausível com este Governo) aumentando a idade para os 66 anos (vamos esquecer por insultuosa a ‘rábula dos 65 +1’).

A desvalorização salarial na função pública desde o início da crise (2008) agregando o congelamento dos vencimentos e das carreiras acrescida da inflação será superior a 50%. É óbvio que estas medidas não são um ‘ajustamento’. São um confisco que a breve trecho nos conduzirá a graves perturbações sociais, ao colapso da administração pública e ao fim do Estado de Direito Democrático. São soluções bárbaras para satisfazer exigências especulativas. Que ultrapassam o conspurcado redil financeiro para entrar a matar na vertente política e social, verdadeiros sustentáculos democráticos.

Esta é a vertente dramática de ir ‘para além da troika’ propósito aparentemente adormecido mas que a realidade dos últimos dias demonstra não ter sido abandonado. De facto, as medidas de poupança nos gastos públicos - falar de reforma é insultuoso - são um iníquo instrumento para alavancar (vamos recorrer a esta metáfora financeira) uma abrupta ‘desconstrução democrática’.
A arenga de 6º. Feira não se esgota na violenta espoliação dos funcionários públicos e reformados (estes ainda envoltos na penumbra da profundidade dos cortes) mas atinge todos os portugueses. De facto, o risco de sermos espoliados da Democracia é enorme. Maior que o risco de incumprimento.
É neste ‘Estado’ que estamos.

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