‘Negociações’: em Lisboa ou em Frankfurt?



O ‘compromisso de salvação nacional’ proposto pelo Presidente da República e neste momento em discussão pelos partidos, que se auto-denominam do ‘arco do poder’, é politicamente uma hipótese remota e no aspecto prático uma magistral impossibilidade já que para não entrar em especulações políticas, começa por não decorrer no local apropriado.

O ‘isco’ de eleições a partir de Junho 2014 pode servir estratégias políticas imediatistas mas nada acrescenta à situação real do País. Pelo contrário a espera de um ano será fatal para Portugal e só serve o status quo que se intenta perpetuar deste o início do Plano de Assistência Financeira prolongando ad eternum o regime de protectorado (embora possam nominalmente mudar os ‘protectores’).

O cerne da questão que ‘justificará’ as actuais desavenças políticas (no 'arco do poder') é o brutal corte nas funções do Estado que arrancaram com o montante de 4.700 M€ e não sabemos onde vão terminar (ver quadro). A gravidade emerge de esta nova vertente da escalada do 'resgate' atinge de modo implacável as funções redistributivas e moderadoras que o Estado Social desempenha. Em termos alegóricos é o mesmo que amputar uma perna a um qualquer mortal e surgir na esquina próxima exigindo que o mesmo corra uma maratona e fique bem classificado.
Foi isso que este Governo pela calada negociou com a troika, numa dessas avaliações ‘regulares’ e apareceu manhosamente a falar aos portugueses como sendo a ‘refundação do memorando de entendimento'. Para acertar tal saída ignorou os partidos da Oposição, o mesmo é dizer, um grande número de portugueses e portuguesas. Este ‘compromisso’ acontece na altura do rei na barriga e dos velhos tempos da soberba neoliberal da dupla Vítor Gaspar/Passos Coelho. Desfeito (ou descredibilizado) o tandem, vítima do processo errático que abraçou e dos seus erros, tornou-se imperioso envolver o PS na comprometedora solução e pelo caminho argumentar com situações de excepção como vem sendo fastidioso, falamos do ‘estado de emergência’, do interesse comum e de patriotismo, etc... 

Na realidade a política deixou de contar e as bases ideológicas que, neste 'processo de ajustamento’, deveriam escorar as decisões económicas e financeiras são sistematicamente ocultadas à volta de imperiosas inevitabilidades de situações, repetidamente classificadas como ‘sem alternativas’. Todos os dias tropeçamos com 'factos consumados'. Um grande número de políticos portugueses, com especial acutilância para os que integram a tão celebrada maioria governamental, digladiam-se, no dia-a-dia, para aparecerem, aos olhos dos portugueses e da Europa, como uns lídimos intérpretes da ‘vontade’ dos credores, entretanto ‘transformados’ numa entidade de contornos nebulosos mas capaz de ditar ‘ordens’ nos bastidores. Os políticos transformaram-se em ventríloquos dos inomináveis credores.

Uma situação absolutamente armadilhada e impregnada de uma overdose de hipocrisia e dissimulação. De facto, os ‘nossos credores’ que num passado recente (início da 'crise da dívida') eram constituídos por instituições bancárias europeias, gestores de activos e fundos soberanos de diversos países. Actualmente (os credores) residem quase exclusivamente por cá. Já assim sucedia em 2011, quando os maiores credores da nossa dívida soberana eram a Caixa Geral de Depósitos, o BCP e o BPI link. Nestes 2 anos de ‘ajustamento’ o processo de transferência tem sido contínuo e acelerado. Hoje, a nossa dívida pública repousa em grande medida nos cofres dos bancos nacionais que, paulatinamente, a têm comprado, com o apoio e cumplicidade do BCE, nos ditos 'mercados'. De facto, se excluirmos o Banco Central Europeu, perante o qual a banca nacional está altamente endividada, dois dos elementos mais visíveis e ‘actuantes’ da troika (FMI e UE) representam somente 18% do total da dívida pública portuguesa link. Trata-se, portanto, de uma espécie de ‘golden share’.

Resumindo para abreviar caminho:
As difíceis, desgastantes e inglórias negociações que os partidos do ‘arco do poder’ estão a protagonizar encerram vários erros. A maioria deles políticos. Não vamos enumerá-los. Existe, contudo, um deles que está bem visível e é de fácil resolução. As negociações não estão a decorrer na sede própria. Para concertar de modo directo e frontal as respostas com os credores o diálogo deveria estar decorrer num 5º andar da Avenida da República (sede da Associação Portuguesa de Bancos). Deste modo dispensavam-se inoportunos e arrogantes ‘intermediários’. Os negociadores veriam a cara dos credores e ouviriam em primeira mão as exigências, os planos, as metas, os processos, os prazos, etc.
Ou se quisermos ir ao fundo da questão e estivermos dispostos a abandonar questões de nacionalismo atávico os encontros deveriam ter lugar em Frankfurt onde, na realidade, se entroncam todos os caminhos. Tudo o resto é secundário, i. e., uma manobra de diversão que só encarece o ‘resgate’ (possível). De facto, há muito que deixamos de falar no necessário. Do estritamente necessário. Existiu uma 'coligação' (de interesses?) que quis ir além. Neste momento está aquém. E por aí deve ficar.

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