A Turquia e a laicidade traída

Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro turco a quem a Europa e EUA concederam o título de muçulmano moderado, um oximoro por excelência, foi ajudado no saneamento das forças laicas – juízes e militares –, por Fethullah Gülen, um imã que lidera uma rede global de escolas e instituições de caridade com milhões de seguidores.

Foi Gülen quem apoiou Erdogan a combater a laicidade e que, por avidez pessoal, surge agora como seu adversário, depois de ter infiltrado sequazes seus nas Forças Armadas e na magistratura, quando o PM pretende tornar-se Presidente, em 2014, para se perpetuar no poder e erradicar os opositores.

Os escândalos que atingem altas figuras do regime, amigos de Erdogan e das 5 orações diárias, são um embaraço para as suas aspirações e uma oportunidade para o imã. Apegados aos cinco pilares do Islão, mas afastados por ambições pessoais, o atual PM vê na detenção de 24 pessoas, por corrupção, filhos de ministros, banqueiros e membros políticos do seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento), uma conjura.

A teoria da conspiração que Erdogan designa por “grupos internacionais” e “alianças sombrias”, abrange o próprio embaixador dos EUA e os suspeitos do costume, oposição kemalista, Forças Armadas e poder judicial, onde prosseguem as purgas.

O maior exército da Nato, fora dos EUA, é o turco, cuja depuração de elementos laicos e golpistas (é justo referir este último adjetivo), foi levada a efeito de forma metódica e eficaz. Neste momento a luta que se trava já é entre um muçulmano que está no poder e outro muçulmano que lho disputa.

O Estado ainda é oficialmente laico mas começa a ser perigoso urinar virado para Meca, degustar presunto ou matar a sede com cerveja. Para as mulheres já começou o calvário das violações e interditos. A exibição dos cabelos, da cara ou de pernas destapadas é já uma provocação lúbrica sob o olhar atento de Maomé.

A Turquia, sobre a qual, há vários anos, venho escrevendo, é um barril de pólvora que o proselitismo evangélico municiou para o tornar uma granada com retardador, a explodir versículos e a escrever a sharia com os estilhaços que cairão sobre as cinzas de Atatürk.

A cumplicidade com o Irão é hoje motivo de preocupação para a Europa e EUA mas a islamização forçada pelo poder era apenas a piedosa intenção de um islamita moderado que agora acusa os que defenderam o monstro e os seus aliados das mesquitas.

Comentários

e-pá! disse…
Depois dos confrontos de Junho passado que começaram em Istambul e sacudiram muitas outras cidades da Turquia despertando a consciência dos turcos - e do Mundo - para a paulatina subversão do regime laico e concomitantemente para a sua substituição por uma califado.
O silencioso projecto cresce (e alimenta-se) à sombra de um vasto programa de corrupção política e económica (nomeadamente do sector imobiliário) que se instalou na Turquia mas terá longos braços espalhados pelo 'Mundo muçulmano'.
Estaremos, nos recentes acontecimentos, perante réplicas de problemas que não foram, efectivamente, resolvidos há 6 meses e que se agudizaram com a aproximação de actos eleitorais e a necessidade de consolidar os ganhos na trajectória de 'islamização'.

Os receios pairam, agora, sobre o poder judicial que ousou interpor-se na 'grande e misercordiosa caminhada para a islamização do poder' e poderá sujeitar-se a uma nova e sangrenta purga em paralelo com o recente afastamento de mais de 50 oficiais da polícia.

Perante estes indícios seria avisado começar a entender (e ver) o Estado turco como perdido para salvar a laicicidade instituída - a ferro e fogo - por Atatürk, facto determinante para a aproximação deste País (verificada essencialmente durante a guerra fria) ao 'Ocidente'.
E sem alimentar qualquer tipo de discriminação religiosa avaliar a solidez das alianças estratégicas, ditas orientadoras para o 'Mundo Ocidental' (leia-se NATO) e que entraram definitivamente em choque (colapso) com a 'primaveril' evolução política dos Estados do Médio-Oriente e Norte de África, em progressiva e profunda islamização institucional e política.
Homero - se fosse vivo - e tentasse 'rescrever' a Odisseia constataria que Ankara não dista muito de Tróia. E, nos dias que correm, o cavalo deixado às portas do cidade pode muito bem chamar-se Ergodan.

Ou então, poderemos (só) estar perante coincidências resultantes de 'irmandades' (históricas, claro está!)...

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