‘Pistoleiros’…




 A história dos resgates ‘dá mostras’ de ser [mais] uma página negra na longa e atribulada ‘construção’ da UE.
As recentes declarações do euro-deputado Liem Hoang Ngoc (do PSF) e actualmente responsável no PE pela investigação que decorre em relação à coordenação (política, económica e financeira) e responsabilidades (sociais e culturais) da CE, do BCE e do FMI nos países europeus confrontados  com dificuldades financeiras, primeiro derivadas da ‘crise dos subprime’ (importada dos EUA) e, logo de seguida, pela ‘crise das dívidas’ imposta pelos mercados financeiros internacionais.
Esta investigação abre um novo capítulo acerca do controlo democrático das instituições, no seio da comunidade de países do ‘Velho Continente’ e é extremamente positivo que esteja em curso. Outra coisa serão as (necessárias) consequências.

O eurodeputado Ngoc inquirido acerca de qual teria sido a ‘maior surpresa’ nos programas levados a cabo pela troika, respondeu:
São coisas que transpiravam, mas quando se tem a confirmação, há coisas que causam arrepios porque tiveram implicações enormes na vida das pessoas. As medidas impostas não foram objecto de deliberação em nenhuma estrutura democrática. Foram os tecnocratas das três instituições que impuseram, com a pistola apontada à cabeça dos Governos em causa, medidas que não foram discutidas democraticamente ao nível europeu”(http://www.publico.pt/politica/noticia/troika-impos-medidas-com-uma-pistola-apontada-a-cabeca-dos-paises-ajudados-e-sem-qualquer-controlo-democratico-1622680).

É óbvio que os países que estão presentemente sujeitos a ‘programas de intervenção externa’ cometeram erros de governação, nomeadamente, no que diz respeito à consolidação orçamental e ao equilíbrio das contas públicas. Mas a reposição de equilíbrios no campo orçamental (que não é um primitivo objecto de polémica) foi baseada na imposição aos governos nacionais (‘com a pistola apontada à cabeça’) de medidas onde a componente ideológica e a insensibilidade política e social não pode continuar a ser disfarçada. A intervenção da troika a primeira coisa que fez foi achincalhar a soberania dos povos intervencionados e impor terríveis sentimentos de culpa (que efectivamente não têm cabimento jurídico, legal ou moral), para os explorar em todas as suas vertentes ‘resgatadoras’.
Primeiro, os ‘mandantes’ (ao que parece sem qualquer mandato) impuseram - pelo medo, pelo ‘risco de contágio’, pela ameaça de ‘bancarrota’, etc. – que os graves problemas do sector financeiro (bancos e outras instituições de crédito) fossem, ad libidum, ‘absorvidos’ pelo sector público. Esta ‘transferência’ que viria a ser suportada, por mecanismos bem pouco equitativos, pelos cidadãos contribuintes dos países em resgate provocou, como afirma o deputado, “implicações enormes na vida das pessoas”.  Isto é, na sua crueza o deputado europeu ainda conseguiu arranjar uma fórmula para aligeirar o dramático impacto de medidas que “não foram objecto de deliberação em nenhuma estrutura democrática”.

Na realidade, ‘decretou-se’, no seio de ‘estruturas’ de legitimidade indefinida (para estas 'funções') e à revelia de qualquer controlo democrático o empobrecimento brutal dos ‘países mais débeis’ com o pretexto de 'ajustar' a economia e finanças desses países escondendo o oculto intuito de assim favorecer ‘outros’ mais robustos (económica e financeiramente). 
Tem sido esta ‘operação de resgate’ na área das políticas que tem ocupado a direcção administrativa e financeira europeia onde pontificam senhores como Barroso, Olli Rehn e Draghi (em consonância com o ‘artista convidado’ FMI). 
Quer os assuntos comuns, quer os relevantes, que - num ‘mundo globalizado’ nascido após o desmoronamento da ex-URSS - preocupam e atingem a ‘casa comum europeia’, foram transferidos da Comissão Europeia (que se afunda enredada em conflitos burocráticos) para o Conselho Europeu, que agrupa os representantes dos governos nacionais e é dominado por interesses políticos, económicos e financeiros conjunturais e manifestamente subsidiários de hipotéticas ‘locomotivas’ conduzidas (efectivamente) pela Frau Merkel e (imaginariamente) pelo arlequim Hollande, todavia, esvaziados de qualquer estratégia política ou económica comum. As múltiplas e recorrentes quezílias com a Inglaterra são o expoente visível deste vazio.
Aos ‘países periféricos’ (por enquanto com assento formal nesta instituição) resta o papel de serem ‘bons e obedientes alunos’. 
Esta brutal ‘transferência política’  tem sido extremamente deletéria para o ‘projecto europeu’ e ameaça destruí-lo, sob os escombros de um gigantesco défice democrático. Na verdade, a Comissão Europeia, que muito embora de modo indirecto e parcial, (ainda) responde perante o Parlamento Europeu contrasta com o Conselho Europeu vive em ‘roda livre’ escapulindo-se erraticamente aos diferentes tipos ou modelos de controlo (nacionais e europeus). Este o mecanismo maquiavelicamente engendrado e que tem permitido uma serpiginosa fuga ao escrutínio democrático (europeu). 
Esta a pistola apontada à cabeça dos governos nacionais ‘em dificuldades’ mas, simultaneamente, a todo o ‘projecto europeu’, que ficou prisioneiro do Conselho Europeu (um órgão fechado, politicamente manipulável, reflexo de correntes ideológicas ocultas e circunstanciais e 'escravo' dos mercados) que, na prática, se transformou numa ‘correia de transmissão’ dos insaciáveis apetites (especulativos) dos ditos ‘ credores’ e eternamente gratos e ao dispor de (eventuais) investidores.
Perante isto ainda existem (e persistem) fantasiosos profetas que anunciam para Portugal no próximo dia 17 de Maio como o fim de um ‘regime protectorado’. 
Seria bom ter a noção que a ‘nova aurora’ que alguns estão tão empenhados em anunciar continuará a decorrer com a pistola apontada à cabeça e que o empobrecimento não é (nem foi) um ‘dano colateral’ de um ignominioso ‘resgate’.  
Existem outras ocultas motivações que vão sendo trazidas à luz do dia e que estão para além da boçal partitura que uns ‘pistoleiros de aluguer’ têm andado a representar.


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