A Europa, a desintegração e a guerra


A Europa está definitivamente cansada de um tão longo período de paz, só perturbada por conflitos circunscritos. Quase 70 anos sem guerras é mais do que os europeus são capazes de suportar. É insuportável a interrupção inédita da tradição belicista milenar.

A desagregação da Jugoslávia está para os europeus como a perversa invasão do Iraque está para os árabes. Os mercados, apesar da sua inefável perversidade, tiveram o efeito benéfico de não serem coniventes com a desintegração dos países mas, agora, diversos nacionalismos engravidaram sem maternidades disponíveis para os dolorosos partos que aí vêm. Primeiro surgem as manifestações, depois os referendos e finalmente a guerra.

A Sérvia, trucidada pela invasão da NATO, viu o seu território do Kosovo amputado e transformado num entreposto de droga e terrorismo. A ambição da NATO de rodear a fronteira russa fez de um país potencialmente amigo a reedição da URSS, onde Putin foi posto, na Geórgia e na Ucrânia, entre a espada e a parede. Puxou da primeira.

A possibilidade da independência da Escócia estimulou a euforia catalã, cada vez mais avassaladora, a antecipar a desintegração espanhola. Na Itália, a Liga do Norte espera a sua vez enquanto a Bélgica escava divergências entre a Flandres e a Valónia e Bruxelas se transforma em cidade-estado que despreza ambas.

Com a profunda crise económica, financeira, política e ética está aberto o laboratório de novas fronteiras onde o populismo e os nacionalismos ficarão à solta enquanto os povos europeus se matarão sem pensarem em quem os virá meter na ordem. Talvez já haja um número suficiente de jihadistas capazes de conduzirem o rumo dos eventos europeus.

Há na inópia dos povos uma matriz genética que apela ao retrocesso feudalista, com as massas ululantes, quando um demagogo de qualquer país lhes grita que Lavacolhos de Baixo tem os mesmos direitos de Lisboa, a Madeira não é menos do que Portugal ou Handaia não vale menos do que Paris. A Macedónia tem direito a ser independente e até o monte Atos, um exótico Estado monástico, há de exigir a independência à Grécia.

Há no provincianismo bacoco uma vocação suicida que o entusiasmo de uns, a maldade de outros e a ignorância de muitos hão de converter numa nova guerra. O nacionalismo germina nas cicatrizes dos povos e nas mentiras sobre a heroicidade dos antepassados.

Comentários

e-pá! disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
e-pá! disse…
De facto, a 'questão da independência Escócia' não pode deixar de ser considerada um barómetro da actual situação europeia.
Nada do que, em 1707, 'justificou' a opção unionista, e a posterior criação da Grã-Bretanha, tem pernas para andar nos dias que correm.
Aliás, a 'independência da Escócia' não é mais do que uma consequência (tardia) do desmembramento (desmantelamento) do 'Império Britânico' que começou com o fim da 'era vitoriana' e a descolonização (das 'possessões' africanas e na India) acabaria por acelerar e consolidar.
O que o acto referendário - que decorrerá no próximo dia 18 de Setembro - acabará por revelar (se as mais recentes sondagens estiverem certas) é uma grave situação 'desagregadora' que extravasa largamente o âmbito da 'Ilha'.
A União Europeia que 'nasceu' à sombra das alterações e contradições ditadas pelos dramáticos custos políticos, económicos e sociais da II Guerra Mundial, que os 'fundadores do moderno europeísmo' tentaram inscrever no Tratado de Roma (1957), é a imagem estampada de um 'Novo Império' à beira do colapso, que está profundamente imiscuído no 'processo independentista de Edimburgo', só aparentemente (levianamente)circunscrito a Londres.
A UE que se apressou a promover o 'alargamento' para Leste, na sequência do desmembramento da ex-URSS, não soube (não foi capaz) de tratar com critérios de coesão e medidas inclusivas as suas velhas comunidades e regiões, isto é, os diferentes povos...

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