Debate sobre o Estado da Nação e os fogos-fátuos da Direita…

Na 4º. feira, cumpriu-se mais uma formalidade das democracias. O chamado 'debate do Estado da Nação'.
 
Diversas agendas políticas estiveram em confronto. A Direita que perdeu o pé nas questões económicas e orçamentais resolve, agora, centrar as suas atenções no ‘reforço do Estado’ quando andou 4 anos e meio a pugnar pelo seu enfraquecimento sob o lema ‘Menos Estado, Melhor Estado’.
Paralelamente com esta insanável incongruência decide assestar baterias sobre putativas demissões e inadequações aos cargos, varrendo do seu cardápio reivindicativo, casos como a ‘irreversível’ demissão de Portas, a prolongada e confrangedora agonia de Miguel Relvas, o esfíngico partir da louça de Victor Gaspar, a olímpica incompetência de Rui Machete, o arrastado 'erro de casting' que foi Anabela Rodrigues, etc.
 
Vamos refletir sobre o 'filme das demissões' deixando a marinar - aguardando colheita de melhores informações e o decurso das investigações - outros temas recentes que inquinaram (monopolizaram) o debate, como a tragédia de Pedrogão Grande e o roubo de Tancos.
 
Em Agosto de 2016 – após o fim do campeonato europeu - a Direita, mais denodadamente o CDS, agastou-se na petição da demissão dos Secretários de Estado (Rocha Andrade, João Vasconcelos e Jorge Costa Oliveira) envolvidos no chamado caso ‘Galpgatelink  .
 
A situação motivou esclarecimentos dos visados e o problema político entrou em hibernação à sombra da aprovação de um novo ‘código de conduta’ para os titulares de cargos públicos.
Paralelamente, o MP decidiu ‘colher elementos’ sobre as circunstâncias em decorreram estas deslocações e investigar se as mesmas podem integrar o ‘crime de responsabilidade dos titulares de cargos políticos’ link .
 
Passado quase um ano sobre a revelação destes acontecimentos e na ausência de quaisquer outros desenvolvimentos subsequentes conhecidos (que caberá à PGR divulgar) os Secretários de Estado decidem, em conjunto, apresentar a sua demissão para não ‘prejudicar o Governo’ e solicitaram a sua constituição como arguidos a fim de apresentarem – sem constrangimentos pessoais ou políticos - a sua defesa.
 
O PSD ficou furioso com este desfecho e pela voz de Carlos Abreu Amorim sai a terreiro a solicitar uma série de esclarecimentos link .
O deputado do PSD exibe uma púdica estranheza sobre ‘o momento político’ destas demissões. É evidente que percebeu ter perdido a oportunidade de enxertar este caso na panóplia de manobras que o PSD orquestrou visando a desestabilização do Governo e que passam pela inusitada compartimentação de responsabilidades no presente, como se o passado fosse irrelevante ou não existisse. Gostariam de chegar ao debate do Estado da Nação e apontar para a bancada do Governo chafurdando que entre os membros do Executivo existiam arguidos de um processo em curso no MP. A decisão (demissão) dos 3 Secretários de Estado roubou à Oposição a oportunidade de protagonizar mais uma chicana política.
 
A Oposição ainda não terá percebido que a gestão presente da agenda política lhe fugiu do controlo e está agora em outras mãos. Não conseguiu digerir o colapso do obsoleto ‘arco da governação’, ocorrido com as eleições de Outubro de 2015, e continua a sonhar com o enfartamento da opinião pública à volta de casos avulsos e pontuais.
 
O elenco governamental, nomeadamente no que diz respeito à sua composição e eventuais entradas e saídas dos cargos de que são (estão como) efémeros titulares, é da estrita competência do Primeiro-Ministro e o único aval que necessita é o seu empossamento pelo Presidente da República. O Parlamento não é tido nem achado neste campo. Toma conhecimento. A liberdade para apoiar ou criticar as soluções governativas encontradas (nominais e sempre transitórias) restringe-se ao quadro das análises partidárias. Mas a AR não tem qualquer capacidade de interferir institucionalmente.
Os membros do Governo não passam pelo crivo parlamentar prévio e muito menos necessitam de obter o beneplácito da Oposição. O Governo responde politicamente, e à posteriori, na Assembleia da República, pelos atos e programas decorrentes do exercício governativo, entendido como emanação de um órgão colegial – o poder Executivo.
 
Assunção Cristas ao interpelar o primeiro-ministro, no debate sobre o Estado da Nação, sobre uma desejável (para a dirigente do CDS) demissão de 2 ministros, tenta conjugar dois objetivos: primeiro, torpedear a dinâmica governativa que – embora com lentidão – vem desmentindo as previsões catastróficas da Direita; depois, as solicitadas demissões não visam corrigir eventuais erros de casting (sempre possíveis) mas alterar a própria ‘solução governativa’, encontrada no seguimento das eleições de Outubro de 2015, que cometeu o ‘crime’ de destruir o ghetto discriminatório construído (pela Direita) sobre quem detinha o privilégio (divino?), ou a exclusividade, de governar o País.
 
Cristas quando questiona António Costa sobre a elenco governativo, isolando alguns dos seus membros para os abater ao efetivo, está – como reconheceu - a endossar responsabilidades futuras (e últimas) para o primeiro-ministro, não conseguindo disfarçar objetivos revanchistas link.
É muito primária a postura do CDS: se por inépcia ou ‘fraqueza’ lhe fossem ‘oferendadas’ as 2 cabeças ministeriais que tão afanosamente reclama, num ápice assistiríamos à tentativa de degola do próprio primeiro-ministro. O que Assunção Cristas pede a António Costa não é uma recomposição governativa mas um 'haraquíri'.
 
De facto, a Direita quis transformar o debate sobre o Estado da Nação numa aviltante ‘peixeirada’ sobre o Governo o que, em certa medida, logrou fazer. Ora a Nação é algo de mais vasto e profundo para ser reduzida a quezílias político-partidárias sobre prestações governamentais.
O que aconteceu no debate parlamentar sobre o Estado da Nação não é uma mera chicana política, nem sequer um rudimentar processo de ‘marketing ‘, como insinuou Carlos Abreu Amorim, nas vésperas do debate, mas tão-somente uma recreativa gincana sobre o exercício político, fora do contexto constitucional vigente. A interferência do Parlamento na composição nominal (sublinhe-se) dos membros do governo carregaria sempre às suas costas o espectro de uma grosseira promiscuidade na separação de poderes.
 
O Governo responde, após a ‘não-rejeição’ do seu programa (nem está obrigado de o submeter a votos), perante o Parlamento. Todavia, o Governo não se forma, nem se reforma ou regenera, em ambiente de discussão pública ou sob a tutela parlamentar.
A capacidade de interferência da AR na composição e ação do Governo é global e coletiva. Isto é, depende da aprovação de moções de censura que têm um rebate constitucional e quanto mais não seja da capacidade de apresentar (ou não) uma solução alternativa. O Governo não cai no Parlamento peça a peça ou a retalho, como pretende a Oposição.
Quando (ou se) cair o Governo será em bloco e, nessas circunstâncias (e só nessas), terá consequências políticas no estado - presente e futuro - da Nação.
 
O PSD e o CDS sabem que é assim mas preferem o entretimento retórico ao debate das questões nacionais - a pérola montenegrina do 'colapso do Estado' é de antologia - e continuar a representar o papel de serem ‘os últimos a saberem’. Foi - em parte - isto que sucedeu no debate de ontem.

Na realidade, o debate sobre o Estado da Nação ficou por fazer. A maioria dos portugueses gostaria que se discutisse novos passos para ‘cuidar da Nação’. Muito para além de uma atenuação dos efeitos deletérios causados pelo neoliberalismo que assaltou o Estado. É cada vez mais necessário promover uma discussão sobre as condições de vida atuais e perspetivas futuras dos cidadãos, liberta da opressão dos ‘mercados’ e em contraponto com a ‘financeirização’ da política.
 
O debate da Nação seria, para ter repercussão política e utilidade económica e social, dotar a República de 'roupagens democráticas' modernas para enfrentar o futuro ...

Comentários

E isto mesmo:

«O que Assunção Cristas pede a António Costa não é uma recomposição governativa mas um 'haraquíri'.»

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