Macron e a ‘primeira-dama': uma ‘majestática’ deriva …

O estatuto de ‘dama’, seja a primeira ou a última (haverá esta categoria?) sempre foi, no quadro dos regimes republicanos, uma situação incompreensível para não dizer caricata. O conceito tradicional de ‘dama’ enquanto mulher de bons modos, boa educação, nobre e socialmente distinta não se coaduna com o conceito basilar de que todos os cidadãos nascem iguais em deveres e direitos. As damas seriam sempre as ‘prendadas’ distintas das 'mulheres vulgares’. Uma discriminação inaceitável.
 
Estar casada com um eleito - seja no topo da hierarquia representativa do Estado, seja para a presidência de uma junta de freguesia - não pode veicular quaisquer tipos de privilégios link. O casamento é desde há muito, em termos civis, um contrato entre dois cidadãos regulado por um quadro legal (Código Direito Civil), em constante atualização, como se verifica nas sociedades contemporâneas. O seu fim último visa constituir livremente um agregado familiar, célula basilar da comunidade nacional.
 
O que se está a passar na França (das liberdades) com o atual presidente Emmanuel Macron é uma autêntica ‘aberração republicana’. Elaborar um estatuto de privilégio para uma autoproclamada ‘primeira-dama’ é intolerável. A esposa de Macron deve continuar a ser uma cidadã em pleno gozo da totalidade dos seus direitos mas tal circunstância, em caso algum, poderá originar um estatuto ‘especial’.
 
Na verdade, as condições legais necessárias para ser eleito para cargos públicos não contemplam a necessidade de estar casado(a). Nasce aqui a concepção que o estado civil do titular de qualquer cargo público é um assunto do foro privado. A Republica derrubou as conceções dinásticas de ocupação familiar dos cargos públicos por inerência de sangue ou por afinidade. Por arrasto caíram também as prerrogativas matrimoniais – ‘linhagem’ - que originaram príncipes e princesas consortes ou reis e rainhas de ‘aviário’.
Aliás, se existe na História ambiente mais promíscuo, intriguista e venal é exatamente a corte onde estes espécimes se movimentaram e que sistematicamente parasitaram o poder e os dinheiros públicos. A ‘família real’ rodeada de cortesãos e cortesãs tinha tudo menos um carácter digno e nobre, tal como entendemos estes predicados hoje em dia.
 
Macron começou a revelar alguns ‘tiques monárquicos’ que chocam com a condição de Presidente da V República Francesa. A convocação para Versailles (Palácio do Rei-Sol) do ‘Congresso’ (Assembleia Nacional + Senado) decorreu muito ao estilo majestático do ‘ancien regimelink.
Por outro aldo, a vontade de contornar o apresentar de leis à Assembleia Nacional, que já foi utilizada pelo Governo Hollande/Valls (a que Macron pertenceu), em relação às controversas ‘reformas laborais’, revelam os fumos de uma deriva (‘visão’) absolutista, ‘louisiana’, de poder.
 
O(a) cônjuge do(a) Presidente deverá ter condições para manter uma vida autónoma em relação ao seu parceiro(a). Esta a visão da vida que está de acordo com a contemporaneidade. A ‘aristocracia financeira’, base de partida de Macron, não pode sonhar com tão altos voos e deslocados instintos de uma 'nobreza decrépita', sem cair no ridículo.
 
É absolutamente caricato o desempenho, por parte do(a) cônjuge, de funções honoríficas (muitas vezes reveladoras de oportunismos e ‘compadrios’) ou, pior, de ‘exemplos de intervenção social’ que, na maioria das vezes, roçam o espectro de uma ambígua ‘caridadezinha’.
 
A República só reconhece a representatividade derivada do sufrágio direto. Não há lugar para situações delegadas por ‘afinidade’, muito menos, por via matrimonial que, como todos os contractos é efémera, já que está civilmente condicionada pelo espectro de dissolução (divórcio).
 
Em Portugal, presentemente, esta questão - com a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa - está ultrapassada. Não sem antes termos passado pelo susto da fantasmagórica sombra da D. Maria Cavaco Silva sobre o cidadão de Boliqueime que representando o papel de amantíssima esposa e colecionadora de presépios acabar o seu tempo em Belém a condecorar o (seu) costureiro Carlos Gil.
 
Se este exemplo pega de estaca bem amolados estarão os franceses dada a profusão de costureiros e estilistas que pululam pela França…

Comentários

Perfeito. Viva a República.
Manuel Galvão disse…
Os eleitos em lugares de topo desejam, estrategicamente ser vistos como ídolos por quem os elegeu. Por isso fazem sempre por passar a imagem de poderosos (ser rico chega) e felizes, de uma felicidade invejada pelos eleitores.
Assim é fundamental para um presidente ter uma esposa invejável, filhos invejáveis e, se possível, um cão invejável.
Estes tiques "democráticos" impuseram-se nos EUA e estão sendo importados para a "Europa Livre", à semelhança do liberalismo financeiro e dos hamburguers...
Não tarda somos todos americanos!

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