CDS: uma Direita redundante e colonizada por um ‘pragmatismo tabloide’…

Inevitavelmente condenados a entendermo-nos com o PSD…” é o título de um artigo publicado ontem no Publico link
 
Um interessante artigo onde foram ouvidos protagonistas da primeira linha do CDS (Assunção Cristas, Nuno Melo e Diogo Feio). Trata-se do prelúdio para o próximo Congresso que se realizará (10 e 11 Março) em Lamego.
 
E o interessante – para além das incontidas pretensões de crescimento - são as teorizações sobre o chamado ‘voto útil’. 
 
Em primeiro lugar, deve ser reconhecido que o ‘voto útil’ poderá ser, de certa maneira, um entorse democrático. Será a submissão das convicções doutrinárias a estratégias políticas do momento. De certo modo raia a fronteira do oportunismo político.
 
Para além desta posição de princípio será também necessário reconhecer que, muitos de nós, já teremos votado ‘útil’, em determinadas condições e circunstâncias políticas, condicionando as votações a objetivos mais gerais e até universais.
 
O voto útil tem sido usado para construir frentes de resistência perante o espectro de grandes clivagens de regime para evitar a possibilidade de enfrentar a possibilidade de grandes convulsões sociais de que a eventualidade de uma guerra (nomeadamente a ‘civil’) será um caso limite.
 
Nos últimos tempos – nomeadamente em França e mais recentemente em Itália – adquiriu um efeito mobilizador para eleitorado dito moderado (volúvel mas com convicções democráticas) e ainda de alguma Esquerda (desalinhada) contra os indícios da emergência de partidos ou movimentos de Extrema-Direita, ultraconservadores, nacionalistas e fascizantes.
 
Existe, contudo, uma outra vertente. A situação política europeia não está consolidada. Existe sempre a possibilidade de regressarmos às fatídicas políticas de austeridade que conseguiram travar o assédio especulativo dos mercados às dívidas soberanas através de medidas orçamentais desajustadas.
 
Quando o CDS reclama o fim do voto útil na Direita, está a pensar em várias questões ao mesmo tempo.
Primeiro, no diz respeito a incapacidade de reincorporar, no plano político-partidário, a dita democracia cristã, como movimento político, que foi terreiro que já deu uvas. O exemplo italiano é mais uma vez marcante já que foi entendido como uma tentativa de mediação entre o liberalismo (mais acirrado) e o vasto espaço socialista (da social-democracia aos comunistas). É uma criação artificial (do pós-guerra) embora se tenha colado a ancestrais doutrinas religiosas (mais católicas do que cristãs).
O seu arsenal ideológico terá sido a encíclica ‘Rerum Novarum’ (1891) de Leão XIII. A sua ancestralidade doutrinária e artificialidade social tornaram esse movimento, reavivado no pós-guerra, circunstancial e relativamente efémero.
 
O ‘menu ideológico democrata cristão’ assente na família, propriedade privada e uma ‘harmonia interclassista’ não se distinguia dos terrenos liberais encerrando uma grande ambiguidade no campo das relações de trabalho mostrando-se bastante hesitante sobre o modelo capitalista, incapaz de denunciar as suas tropelias e perversões, tendo rapidamente regressado às origens, isto é, ao redil do liberalismo (que vai do antigo ao mais neo). Aliás, o lema do principal partido desta área na Itália é: ‘Libertas’.
 
Na realidade, a dita ‘solução interclassista’, fundamentalmente antimarxista, não é propriamente virtuosa, muito embora a luta de classes, de expressão económica e social incontornável, não tenha conseguido lograr - ao longo da História - resultados exitosos (mas isso é outra história com outras circunstâncias e outros intervenientes humanos, políticos e sociais).
 
A ‘democracia cristã de modelo italiano’, isto é, a mais expressiva no chamado ‘Mundo Ocidental’, teve - como todos conhecemos - um desfecho fatídico, suicidário, já que a sua agonia passou por mecanismos de corrupção infindáveis (políticos e económicos) entre os quais as organizações mafiosas e sucumbiu às mãos de uma ‘deriva judiciária’ denominada ‘Mãos Limpas’ (politicamente pouco estudada e enquadrada), não conseguindo harmonizar nada. Pelo contrário, acabou por cavar um fosso, cada vez mais profundo, entre as diferentes classes sociais.
 
Muito menos, esse modelo de ‘democracia corporativa’, se mostrou interessado em regular os desenfreados apetites económico-financeiros do sistema capitalista que progressivamente desestruturam o bem-estar social.
 
É este o património que o CDS parece, envergonhadamente (à frente explicaremos porquê), reivindicar com alguns aggiornamentos decorrentes da evolução social e política, enfrentando uma nova era tecnológica.
 
Mas, na realidade, até esse ‘desiderato messiânico’, consentido pela evolução político e social dos povos, não está a ser enviesadamente assumido. Na realidade, os grandes esteios da democracia-cristã sempre foram os municípios e mais remotamente as regiões, áreas onde o CDS está longe de estar implantado.
 
Ontem, no jornal Público link, a tendência interna ‘Esperança em Movimento’ acusa a atual direção do CDS de matar a ideologia demo-cristã e assumir um pragmatismo ‘despido de ideologias, avesso aos valores, gerido à vista em função da opinião publica do momento’ (Raul Almeida).
Temos assim uma democracia cristã sub-reptícia e envergonhada mais interessada na exibição do ‘popularucho’.
 
A base ideológica do presente CDS será, neste momento, um deambulante e diletante ‘pragmatismo tabloide’, cavalgando a onda mediática das tragédias, das insuficiências, das inconformidades e dos escândalos, tentando apagar as responsabilidades passadas, nomeadamente, as que desempenhou no Governo de Passos Coelho.
Por outro lado, em relação às sempre invocadas fraturas políticas regionais ou mais globais, mais concretamente em relação à política europeia, as posições do CDS têm um impregnante e pestilento odor que se cola à dúbia e velha imagem dos ‘cristãos novos’. A Direita, na sua essência, tenta momentaneamente disfarçar as suas contradições mas nunca abandona, ou renega, a sua ‘matriz nacionalista’.
 
Portanto, este será o ambiente partidário onde não existe qualquer possibilidade de voto útil. Na verdade, o ‘voto útil’ foi, ao longo dos tempos, um voto da desinformação ou da contrainformação. Foi um voto arquitetado em obscuros gabinetes políticos e até administrativos e também nas sacristias contra a generalidade da Esquerda, mais concretamente, contra os socialistas e comunistas. Foi a reação contra uma imaginária e repetidamente anunciada extorsão de bens materiais que seria promovida pela Esquerda no dia em que alcançasse o poder.
 
Hoje, os cidadãos sabem quem são os verdadeiros predadores. Não é possível continuar a tapar o sol com uma peneira. Sabem quem, à sorrelfa, estimula e cobre uma ondulante desvalorização da propriedade, lhes corta os salários e pensões, dilui as prestações sociais e lhes ‘volatiliza’ (captura) as poupanças e os investimentos bancários sob a capa de ‘resgates’ e ‘resoluções’. Todos já percebemos que a propriedade privada, um dos expoentes programáticos da democracia-cristã, só existe e resiste enquanto os todo-poderosos mercados assim o desejarem e entenderem.
A Revolução Francesa aboliu a propriedade feudal – levou muito tempo - mas a modernidade e contemporaneidade, nomeadamente a partir das reflexões de Rousseau, Engels e Marx, não foi capaz de criar uma nova figura de propriedade, fora de um quadro alienante e especulativo.
 
O voto no CDS será pura e simplesmente fútil e redundante em termos de presente e futuro. Votar no CDS será o mesmo que adquirir, quotidianamente, um desses pasquins que pululam pelas bancas e onde a dirigente, Assunção Cristas, se entretém a camuflar opções políticas ancestrais assumindo, na praxis, um ‘pragmatismo tabloide’.
Aliás, coerente com esta postura, a dita dirigente rabisca, semanalmente, num desses pasquins, a sua insidiosa e desbocada verve.

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